Santa Cristina, cognominada a Admirável, ( St. Christina, the astonishing, ou mirabilis) oferece-nos um notável exemplo de milagres de levitação.
Não temos que discutir aqui o caráter histórico das excentricidades atribuídas a essa santa, que os próprios bolandistas (historiadores jesuítas) qualificam de paradoxal.
Para nós, é suficiente que esses doutos autores tenham aceitado as narrativas que lhe dizem respeito, declarando-as, pelo menos na parte que citamos dignas de crédito e consideração.
Omitir tais narrativas por temor do escândalo que a incredulidade pode provocar, seria ceder a um respeito humano que há muito tempo nos deveria ter detido, e que nos parece tão contrário à piedade como à Ciência.
Eis, em algumas palavras, o resumo dessa singular existência.
Cristina nasceu em San-Frond, na província de Liège, pelo meado do século XII órfã em pouco tempo, ela ficou com duas irmãs mais velhas e ocupava-se em guardar os rebanhos nos campos.
Ativados, porém, pela contemplação, os ardores da sua alma tornaram-se tão intensos que o corpo não pôde resistir.
Ela caiu doente e morreu. No dia seguinte, levaram os seus despojos à igreja para a cerimônia dos funerais.
Na ocasião do Agnus Dei da missa que se celebrava por ela, viram-na de repente mexer-se, levantar-se no esquife e voar, como um pássaro, até à abóbada do templo.
Os assistentes fugiram espantados, à exceção da irmã mais velha, que ficou imóvel, mas não sem terror, até ao fim da missa.
Atendendo à ordem do sacerdote, Cristina desceu ilesa e voltou para casa, onde tomou a refeição com as suas irmãs.
Contou depois aos amigos, que vieram para interrogá-la, que, logo depois da sua morte, os anjos a tinham sucessivamente transportado ao purgatório, ao inferno, ao paraíso.
Aí, fora-lhe dada à escolha de ficar para sempre neste lugar ou de voltar a Terra para, com os seus sofrimentos, trabalhar no resgate das almas do purgatório, o que ela aceitara sem hesitação.
Pelo purgatório tinha ela que passar, pois que desde então começa para essa virgem admirável a vida mais estranha.
A presença e o contacto dos homens são-lhe insuportáveis. Para evitá-los, ela foge para os desertos, voa para cima das árvores, para o alto das torres, para as empenas das igrejas, para todos os pontos elevados.
Julgam-na possessa, perseguem-na, apanham-na com muita dificuldade, e prendem-na com cadeias de ferro.
Ela, porém, se solta e continua as suas corrida aéreas, indo de uma para outra árvore, como faria um pássaro.
A fome, todavia, aperta-a. Invoca então o Senhor e, contra todas as leis da Natureza, os seios destilam-lhe um leite abundante com que ela se alimenta durante nove semanas.
Cai segunda vez nas mãos dos que a perseguiam, mas escapa-lhes novamente, e vai a Liège pedir a um sacerdote a divina Eucaristia.
Munida desse alimento celeste, sai da cidade, levada pelo Espírito com a rapidez de um turbilhão, atravessa o Meusa, ligeira como um fantasma, e torna a começar a sua vida errante, longe das moradas humanas, nos cimos das árvores e das torres, muitas vezes sobre as estacas que cercavam as sebes, nos ramos mais delgados, onde pousava e se balançava como um pardal.
Envergonhados dessas aparentes extravagâncias, que o público atribuía a uma legião de demônios, as suas irmãs e os seus amigos pagaram a um malvado, homem de muita força, para que a agarrasse.
Tendo-se esse homem posto ao seu encalço e não conseguindo agarrá-la, pôde, contudo aproximar-se bastante para quebrar-lhe, com uma pancada de clava, o osso de uma perna, e foi nesse estado que a trouxe às irmãs.
Por compaixão, elas mandaram levá-la num carro a um médico de Liège, recomendando-lhe ao mesmo tempo em que a curasse e prendesse bem.
Este a encerrou numa adega que tinha por única abertura a entrada, atou-a com segurança a uma coluna, e tornou a fechar a porta, depois de ter aplicado ao membro fraturado as ligaduras convenientes.
Logo que ele se retirou, Cristina atirou fora o aparelho, tendo como indigno recorrer a outro médico que não fosse o Senhor Jesus. A sua esperança não foi iludida.
Uma noite, o Espírito de Deus veio derramar-se sobre ela, quebrou suas cadeias, curou-a de sua fratura, e ela, livre, corria e pulava de alegria no seu cárcere, louvando e bendizendo Aquele por quem resolvera viver e morrer.
Não tardou que, sentindo-se o seu espírito angustiado entre essas paredes, ela conseguisse, com a ajuda de uma grande pedra, abrir uma saída e, veloz como uma seta, arremessando-a para fora, reconquistar a sua liberdade.
Apanhada terceira vez, apertaram-na de tal forma a um banco de pau, que as cadeias em breve penetraram-lhe nas carnes.
Acabrunhada de sofrimentos, aos quais veio juntar-se o tormento da fome, recorreu de novo ao Senhor, e viu então correr de seus peitos, assim como já referimos, um óleo límpido com qual molhou o pão e untou as chagas.
Enternecidas com esse espetáculo, as irmãs, até então desumanas por incredulidade, tiraram-lhe as cadeias e permitiram-lhe que seguisse, em toda a liberdade, o Espírito que a animava.
Continuou, com efeito, as suas santas loucuras durante longos anos, porque decorreram quarenta e dois anos entre a sua ressurreição e a sua morte, que se efetuou no ano de 1224.
Esse poder ascensional produz-se algumas vezes com tal energia que nenhum obstáculo é capaz de contê-lo. O que acabamos de narrar a respeito de Cristina, a Admirável, bastaria como prova, mas não é este o único exemplo de levitação entre os Santos de Deus da Igreja.