São Francisco Borja (ou Bórgia)
1510-1572
Típico exemplo da nobreza espanhola, gentil e refinado, generoso e empreendedor, Francisco de Borja, bisneto do papa Alexandre VI e de Fernando II de Aragão, resume em seus 62 anos de vida o contraditório mundo quinhentista — luzes e sombras de onde emergem figuras de grandes santos, numa época de violentas contestações também no campo religioso.
Primogênito de João de Borja, duque de Gandia (Valência), Francisco formou-se na corte de Carlos V, que o adornou do título de marquês aos 20 anos.
No ano anterior havia-se casado: um casamento feliz, alegrado por oito filhos em dez anos.
Da prematura morte da mulher e da imperatriz, Francisco deduziu o sentido da caducidade de tudo e decidiu dedicar-se ao serviço de um Senhor “que nunca pudesse morrer”.
A IMPERATRIZ E A CONVERSÃO DE FRANCISCO DE BORJA
A imperial Toledo trocou as habituais vestes festivas pelo negro de luto naquele 1º de maio de 1539. A morte viera bater às portas de suas muralhas, ceifando a preciosa vida da imperatriz Isabel, cujo passamento deixou no esposo, Carlos V, e em todo o povo espanhol, uma tristeza inconsolável.
O formoso semblante da mais bela soberana das cortes europeias não mais encantaria a nobreza e a plebe. Só cabia sepultá-la junto a seus avós Fernando e Isabel, os Reis Católicos. Partiu, pois, para Granada um faustoso préstito conduzindo seus restos mortais.
São Francisco Borja no translado do corpo da Imperatriz
O imperador confiou os cuidados do traslado a um homem da máxima confiança, para que nenhum imprevisto viesse aumentar sua dor, de si já tão grande. Era ele Francisco de Borja, Marquês de Lombay, dedicado vassalo da mais alta linhagem, o qual lastimava como ninguém o fato de a imperatriz ter deixado esta vida no auge de sua esplendorosa existência. Silencioso e reflexivo, avançava à testa do cortejo que cruzou quase metade do país, chegando a Granada, onde o aguardava o monarca.
O longo trajeto propiciou ao jovem marquês graves e profundas meditações sobre o fim último do homem, semeando bons propósitos em seu interior, pois não em vão promete o Eclesiástico: "Pensa nos teus novíssimos e não pecarás eternamente" (Eclo 7, 40). O acontecido fez evanescer a seus olhos as esperanças até então depositadas nas honras e dignidades deste mundo, uma vez que à sua senhora de nada serviram quando Deus a chamou para junto de Si.
Ao chegar a Granada, precisava o marquês testemunhar perante os notários ser realmente aquele o corpo da soberana.
Mas ao abrir-se o caixão, espalhou-se no mesmo instante por todo o recinto o pior dos odores e constatou-se ser impossível reconhecer naquele cadáver, já putrefato, os traços daquela cuja beleza fora objeto da admiração geral.
Ali mesmo, depois de cumprir sua dolorosa obrigação, Francisco de Borja consumou com uma resolução concreta as inspirações vindas da graça. Uma famosa sentença, tantas vezes repetida pelos seus biógrafos, teria selado essa decisão: "Nunca mais servirei um senhor que possa vir a morrer!".
Exerceu por quatro anos o cargo de governador da Catalunha, embora secretamente votado à vida religiosa. A alta posição que ocupava permitiu-lhe nesse tempo estabelecer os filhos.
Com o falecimento de seu pai, em 1543, Francisco de Borja tornou-se o novo Duque de Gandia, título que trazia anexa a dignidade de Grande de Espanha, da qual desfrutavam apenas os 25 principais nobres do reino. Logo perceberam seus súditos como eram beneficiados em todos os sentidos pelo invulgar governante e passaram a chamá-lo de "o Duque Santo". Transparecia nele a bondade de sua alma "harmoniosa, serena, digna e delicada", qualidades para as quais contribuíam "sua nobre educação, sua fervorosa, implacável e constante ascese".
Mas o anseio de abandonar o mundo falava em seu coração mais forte do que todas as grandezas terrenas. E a morte da esposa em 1546, quando ele contava apenas 36 anos, veio possibilitar a realização de seus desejos de entregar-se por inteiro à vida de perfeição.
São Francisco Borja se despedindo da família
O encontro com o jesuíta Pedro Fabro foi determinante.
Em 1546 fechou definitivamente a porta às honras mundanas e, demitindo-se dos altos cargos, depois de haver feito os exercícios espirituais, emitiu voto de castidade, empenhando-se com outro voto a ingressar na Companhia de Jesus. E o fez, de modo efetivo, em 1548 e, oficialmente, dois anos depois.
Nesse meio-tempo renunciara ao ducado de Gandia.
Em Roma foi acolhido pelo próprio santo Inácio de Loyola, e a 26 de maio de 1551 celebrou a primeira missa.
O encontro com Santo Inácio de Loyola
Certamente quis Deus compensar os dissabores sofridos por Santo Inácio nos primeiros anos da Ordem recém-fundada, ao mandar-lhe este filho de ouro. Todos em Roma mostravam-se assombrados com sua despretensão. Esta o levava, por exemplo, a servir a mesa e a lavar as vasilhas com a mesma naturalidade com a qual pouco antes governava a Catalunha. E nada podia encantar mais os circunstantes do que ouvi- lo falar sobre Nossa Senhora, pois, quando o fazia, tinha o dom de aumentar a devoção dos ouvintes.
Intensos e fecundos foram os meses passados junto ao fundador. Como São Francisco Xavier, foi este outro Francisco um daqueles que mais profundamente conheceu seu coração e de modo mais integral soube espelhá-lo no próprio. Seguindo o exemplo de fidelidade a Santo Inácio dado pelo Apóstolo das Índias, Francisco de Borja foi confidente e, mais tarde, executor dos grandes anseios do fundador, pois sabe-se que neste período inicial, "os dois santos se comunicaram longamente seus projetos".10 Ao longo de algum tempo de convívio, pôde ele receber o carisma inaciano em sua pureza e plenitude.
As honrarias — que o haviam perseguido desde a juventude na corte da Espanha — continuaram a persegui-lo também na vida religiosa, a tal ponto que Francisco se apressou em emitir todos os votos da Companhia de Jesus, dos quais um veta a aceitação de dignidades eclesiásticas.
Apenas soube que o imperador Carlos V propusera seu nome ao papa para a púrpura cardinalícia.
Mas não pôde subtrair-se, em 1555, à eleição ao mais alto cargo no seio da companhia, cujo capítulo o elegeu geral. Francisco exerceu esse cargo até a morte, que o colheu em Ferrara.
Após a morte de Santo Inácio, em 1556, o padre Diego Laynez governou a Companhia por nove anos, dois como Vigário Geral e sete como Superior Geral, vindo a falecer em 1565. Em seu leito de morte, fitou longamente o padre Francisco de Borja, numa premonição do futuro que o aguardava. As eleições realizadas nesse mesmo ano confirmaram seu mudo presságio, pois foi ele o escolhido. A unanimidade com que todos se voltaram para o Santo constitui uma prova de estarem convictos do quanto este representava o espírito da Instituição.
Deste período de sua vida chegaram até nós preciosos documentos, como seu diário e cartas. As missivas por ele redigidas enquanto Geral revelam o perfil do santo e do homem de governo: em linguagem clara e direta, oferecem diretrizes dadas por quem conhece tanto as agruras dos caminhos quanto a fragilidade do homem que os trilha.
Aos superiores locais, por demais severos com os subalternos, exigia maior brandura e afabilidade. Já aos missionários tentados de desânimo pelas fadigas do apostolado, não escondia o quanto seu coração de pai era sensível à bravura de que vinham dando mostras: "Animem-se ainda pensando na consolação que nós, na Europa, sentimos, louvando o Senhor pela coragem que Ele dá aos que lá longe lutam por seu amor",11 escreveu em 1568 ao padre Gregório Serrano, em missão no Brasil recém descoberto.
Entretanto, diante de religiosos empedernidos sabia valer-se da autoridade facultada por seu cargo e não admitia contemporizações. Em caso de necessidade, comenta um de seus biógrafos, "era enérgico, dizendo que Santo Inácio preferia ver sair da Companhia um sujeito mau a ver entrar nela um bom".
Por sete anos governou a Companhia de Jesus. Neles coube-lhe a grave responsabilidade de formar a primeira geração de religiosos que não conheceu o fundador, tarefa desempenhada com exímia fidelidade. Sob seu generalato, a Ordem adquiriu estabilidade, abriu numerosos colégios e consolidou-se nas missões. Em tão curto período, 66 jesuítas foram martirizados, entre os quais Inácio de Azevedo e seus 39 companheiros.
O falecimento de São Francisco de Borja, ocorrido em Roma, na madrugada de 1º de outubro de 1572, foi uma partida cheia de alegria para a Pátria Eterna, própria de quem deu tudo por Deus e estava prestes a receber d'Ele incomparavelmente mais.
Foi canonizado em 1671.
Oração a São Francisco Borja
(ou Bórgia)
São Francisco Borja, que tivestes a graça de perceber quão ilusórias e passageiras são as vaidades do mundo e assim vos entregastes inteiramente ao ministério divino, intercedei junto a Deus por nós, para que nos conceda a graça de não esquecer jamais a tão rápida passagem por esta vida, a fim de que desprezando as coisas que passam abracemos as que não passam.
Por Cristo Nosso Senhor.
Amém.
Dai-nos, Senhor,
por vossa imensa misericórdia
e pela intercessão de voso servo, São Francisco Borja,
a graça da perseverança e da constância nas coisas do alto .
Por Cristo, nosso Senhor, amém.
São Francisco Borja, rogai por nós.
Capela de São Francisco Borja, na Catedral de Valência, Espanha.
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