Celebra-se a 17 de julho a festa de Santo Aleixo. Catarina esperava esse dia, com impaciência, para receber a santa comunhão. No entanto, achando-se indigna, suplicou ao Senhor que a purificasse. Teve então a sensação de que uma chuva de fogo e de sangue se espalhava sobre ela e a purificava até o íntimo da alma. De manhã, bem cedo, dirigiu-se para [a basílica de] São Domingos. Nada indicava que seu confessor fosse celebrar a missa: a Capella delle Volte estava deserta, as velas do altar apagadas, faltava o missal e Catarina não podia descobrir nenhuma daquelas pequeninas minúcias que revelam aos fiéis estar a missa por começar. Ajoelhou-se, porém, no lugar habitual e, pouco depois, apareceu Frei Tommaso que celebrou o santo sacrifício e lhe deu a sagrada comunhão.
Avistando-se com ela no dia seguinte, contou-lhe o dominicano que, repentinamente, tivera a sensação de que ela o esperava na capela. “Mas, por que teu rosto resplandecia e porejava sua face?” indagou o sacerdote. “Ignoro, meu Pai, de que cor estavam minhas faces”, disse ela; “sei apenas que, quando recebi de vossa mão a hóstia santa, vi, não com os olhos do corpo, mas com o olhar da alma, uma tão grande maravilha e senti tamanha suavidade que nenhuma palavra poderá exprimir.
E o que assim eu via, tão fortemente me empolgava, que todas as coisas criadas me produziam o efeito de um monturo infecto. Pedi, então, ao Senhor que anulasse minha vontade e me concedesse o dom da sua, ao que Ele anuiu, em sua grande misericórdia, pois me respondeu: “Filha minha querida, já que te dou minha vontade, é preciso que a ela de hoje em diante de tal modo te conformes que, sejam quais forem os acontecimentos, nada te possa perturbar”.
Ao relatar este colóquio, acrescenta Frei Tommaso que, a partir daquele dia, Catarina manteve sempre a mesma tranquilidade de espírito nas mais diversas circunstâncias.
No dia seguinte, Catarina confiou a seu confessor que, durante aquela visão, Jesus lhe havia mostrado longamente a chaga do seu lado, “assim como a mãe apresenta o sei ao filho recém-nascido”. E como ardesse em desejo de beijá-la, ele tomou-a nos braços e aplicou seus lábios contra a santa chaga.
“Penetrou minh’alma então naquele abrigo sagrado. Conheci tantas coisas concernentes à natureza divina, que não compreendo como posso continuar a viver, sem que meu coração se dissolva de amor”. E a jovem suspirava, como a Sulamita do Cântico dos Cânticos: “Senhor, feriste meu coração; Senhor, feriste meu coração!”
No mesmo dia (18 de julho de 1370, por conseguinte), Catarina repetiu inúmeras vezes, na sua oração, a palavra do Salmista: “Criai em mim um coração puro, ó Senhor, e renovai em mim o espírito de retidão”.
E ela suplicou, ardentemente, a seu Salvador que lhe arrancasse o coração e, em troca, a fizesse participante do seu. Viu, então, distintamente, aparecer-lhe Jesus tirando-lhe do peito o coração e levando-o consigo.
Durante alguns dias, viveu ela assim sem coração, conforme revelou a seu confessor, e, se bem que Frei Tommaso garantisse ser isso impossível, ela afirmou que tal era a verdade.
Pouco depois (no dia 20 de Julho, festa de Santa Margarida), ”estando, depois da missa, na Cappella delle Volte”, conta-nos Frei Tommaso, “viu, repentinamente, o Senhor diante dela, segurando entre as mãos um coração rubro e resplandecente que depôs no seu lado esquerdo, dizendo-lhe: ”Filha muito amada, da mesma forma que, noutro dia, retirei teu coração, dou-te hoje o meu em troca”.
Desde então, Catarina murmurava em suas preces: ”Senhor, eu te recomendo teu coração, em vez de ” eu te recomendo meu coração”. Numerosas amigas puderam verificar a presença de uma cicatriz, no local exato donde fora ele retirado. E muitas vezes, ao receber a santa comunhão, o novo coração de Catarina pulsava tão fortemente que era preciso admitir não ser ele um coração humano. As irmãs e Frei Tommaso ouviam, por vezes, cheios de admiração, as vibrações de alegria do coração de Jesus contido no seio da virgem.
Foi depois dessa troca sublime que Catarina disse a seu confessor: “Não vedes que me tornei outra? Ah! Se soubésseis o que sinto! Não haveria coração, por mais empedernido, que não se comovesse; não haveria coração por mais orgulhoso que não se humilhasse! Minha alma se acha possuída de tamanha alegria que estranho meu corpo contê-la; meu ardor interior é tão vivo que, junto dele, as chamas exteriores mais parecem refrescar que queimar. E esse ardor produz, em minha alma, tal renovação de pureza e de humildade que tenho a impressão de me haver transformado em criancinha. Meu amor pelo próximo está tão inflamado que, voluntariamente, por ele sofreria a morte”.
Catarina procurava exprimir, assim, o que se passava em sua alma. “Mas é impossível traduzir o que sinto”, exclamava ela, “pois quando o tento fazer tenho a impressão de atirar pérolas na lama!”
Pouco mais tarde, provavelmente a 22 de julho, festa de Maria Madalena, apareceu de novo o Mestre à sua serva, acompanhado de sua Mãe e da grande pecadora convertida.
E Jesus então lhe disse: “Quem preferes? Quem escolhes? A ti ou a mim?” Ao que ela respondeu como Simão Pedro: “Senhor, sabes todas as coisas, sabes, pois, que não tenho outra vontade senão a tua, outro coração que não seja o teu!” E enquanto Catarina olhava para Madalena, lembrou-se de que, na casa do Fariseu, ela embalsamara os pés do Salvador, e sentiu por ela um amor imenso.
Jesus, notando tal sentimento, disse-lhe: “Eu te dou Maria Madalena por mãe; de hoje em diante, ela de modo especial velará por ti”.
Desde então, Catarina deu sempre a Maria Madalena o nome de Mãe, esforçando-se por imitá-la em suas penitências, especialmente por um jejum tão rigoroso que chegou à abstenção completa de qualquer alimento.
Trecho do livro “Santa Catarina de Sena”, Johannes Joergensen, pp. 125-128.
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